«Sede santos, porque Eu, o vosso Deus, sou santo» (Lv 11,45).
O escritor Léon Bloy dizia: «Só há uma infelicidade, que é a de não sermos santos». E, contudo, como o testemunha Sophia de Mello Breyner, a santidade é-nos dada, como possibilidade real, em cada dia: «a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias». É como desafio a uma santidade vivida que também São Cipriano explica este segmento do Pater. Incita ele: «peçamos e imploramos para preservar naquilo que começamos a ser, uma vez santificadosno batismo. E peçamos isto em cada dia, pois, de facto, em cada dia estamos necessitados de santificação… Peçamos para que permaneça em nós esta santificação». A flor do mundo é a santidade. Essa forma de Deus presente em todos os tempos, em todas as latitudes, em todas as culturas. O que salva o mundo é a santidade: ela dá flexibilidade à dureza, torna uno o dividido, dá liberdade ao aprisionado, põe esperança nos corações abatidos, esconde o pão no regaço dos famintos, abraça-se à dor dos que choram e dança com outros a sua alegria. A santidade é um sulco invisível, mas torna tudo nítido em seu redor. A santidade é anónima e sem alarde.
A santidade não é heroica: expressa-se no pequeno, no quotidiano, no usual. O pecado é a banalidade do mal. A santidade é a normalidade do bem. Como fica demonstrado neste poema de Maria de Lourdes Belchior:
«Hoje é dia de todos os santos: dos que têm auréola e dos que não foram canonizados.
Dia de todos os santos: daqueles que viveram, serenos
e brandos, sem darem nas vistas e que no fim
dos tempos hão de seguir o Cordeiro.
Hoje é dia de todos os Santos: santos barbeiros e santos cozinheiros,
jogadores de football e porque não? comerciantes, mercadores, caldeireiros e arrumadores (porque não arrumadoras? se até é mais frequente que sejam elas a encaminhar o espectador?)
Ao longo dos séculos, no silêncio da noite e à claridade do dia foram tuas testemunhas; disseram sim/sim e não/não; gastaram palavras,
poucas, em rodeios, divagações. Foram teus imitadores e na transparência dos seus gestos a
Tua imagem se divisava. Empreendedores e bravos ou tímidos e mansos,
traziam-te no coração,
Olharam o mundo com amor e os homens como irmãos. Do chão que pisavam
rebentava a esperança de um futuro de justiça e de salvação
e o seu presente era já quase só amor.
Cortejo inumerável de homens e mulheres que Te
seguiram e contigo conviveram, de modo admirável:
com os que tinham fome partilharam o seu pão
olharam compadecidos as dores do mundo e sofreram perseguição por causa da Justiça
Foram limpos de coração e por isso dos seus olhos jorrou pureza e dos seus lábios
brotaram palavras de consolação. Amaram-Te e amaram o mundo.
Cantaram os teus louvores e a beleza da Criação.
E choraram as dores dos que desesperam.
Tiveram gestos de indignação e palavras proféticas
que rasgavam horizontes límpidos.
Estes são os que seguem o Cordeiro
porque te conheceram e reconheceram e de ti receberam
o dom de anunciar ao mundo a justiça e a salvação»
José Tolentino Mendonça | In Pai-nosso que estais na terra, ed. Paulinas
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